Quando as coisas estão difíceis, a
gente reza para que tenha alguém acima das nuvens pra livrar nossos
caminhos de pedras, pedimos milagres e simplificações pra facilitar a
vida. Só que quando temos tudo na mão, sem um problema sequer,
reclamamos da falta de adrenalina, do tédio. Por que não podemos aceitar
o que vier como desafios e menos como roteiros de filmes?
Suspeitamos do que vem fácil porque o ditado sempre disse que quando vêm
desse jeito, costumam ir embora facilmente também. Será que é daí que
vem o costume de querer complicar tudo pra termos a sensação de que
valeu a pena o sacrifício, alguns litros de lágrimas e a quase
destruição de nosso emocional — e paciência de quem nos cerca?

Sempre fui a drama queen
dos amigos. Se chamavam pra balada, reclamava do porquê de não quererem
passar a noite de sábado comigo sabendo que eu não aceitaria sair. Se não chamavam, ficava puto internamente por não terem cogitado minha participação na noite de sodomia. “Você não ia querer”, respondiam eles. Verdade. Provavelmente ficaria em casa. Mas não é educado apenas perguntar?
Motivos para gerar dramas variam de não deixarem a última bala do pacote
ou o relacionamento onde tudo acontece sem complicações. Em casa a
gente vê isso: quando os pais são liberais, reclamamos de não se
importarem conosco, filhos. Quando são protetores, reclamamos da falta
de liberdade, batemos o pé, fazemos bico e achamos que ouvir System of a Down vai resolver alguma coisa.
Ou simplesmente irritar a vizinhança inteira.

Aí entra a parte do vício e/ou costume de querer o mundo mais difícil,
talvez pra buscar a boa sensação de um suspiro de alívio depois de um
monte de tormento. Uma desculpa para nos fazermos achar que merecemos o
sorriso, já que sofremos tanto. É nosso complexo de novela mexicana, de que depois de tanto sofrer — mesmo que produzido por nós mesmos — merecemos recompensas.
Quando encontramos alguém que diz que ama, que liga perguntando como
estamos e que adora e é adorado pelos amigos, procuramos alguma coisa
pra reclamar: quilinhos a mais ou, a menos, academia demais, pouca
inteligência ou muito mais esperteza, por pagar toda a conta da
lanchonete ou por levar pra faculdade de carro todos os dias. Aí caímos
fora por medo do tédio.
Quando é alguém que não fala que ama ou prefere sair com várias
pessoas ao mesmo tempo, reclamamos da falta de carinho, por não abraçar o
suficiente, por não ligar tantas vezes quanto deveria e blá, blá, blá,
blá, blá. E ficamos presos nesse relacionamento até arrancar pedaço, até
quase morrermos de hemorragia de autorrespeito. Só então prometemos: “vou arranjar quem me ame de verdade”.
E fazemos tudo de novo.
Dramas podem ser saudáveis numa briguinha aqui e ali pra nos darmos
conta do valor da paz, assim como a tristeza nos mostra como é muito
melhor sermos felizes. A mistura ruim fica por conta do drama + autossabotagem, quando a gente tem problema com nós mesmos e construímos desculpas para deitar na cama e esperar um messias.
Vai, pode admitir: sem drama, a vida não fica com cara de série de TV.
E se não parece com série de TV, achamos que a vida está errada, que
não é real. É aí que podemos morrer esperando o roteiro que nunca vai
chegar na caixinha do correio.
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